19/04/2024

Carf permite dedução de multa de leniência do cálculo do IRPJ

Por: Adriana Aguiar
Fonte: Valor Econômico
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) permitiu à J&F deduzir
multa com valor original de R$ 10 bilhões, resultante de acordo de leniência
com o Ministério Público Federal (MPF), da base de cálculo do Imposto de
Renda (IRPJ) e da CSLL. Essa é a primeira decisão do órgão que se tem notícia,
segundo especialistas, relativa a esse tipo de sanção.
No acordo de leniência, a empresa investigada por corrupção entrega
informações e provas à autoridade para ter em troca redução de suas sanções.
A discussão no Carf envolve o artigo 311 do Regulamento do Imposto de
Renda (Decreto nº 9.580, de 2018). O dispositivo trata da possibilidade de
dedução das despesas “necessárias, usuais ou normais” do cálculo do tributo
federal, sem especificar o que estaria autorizado.
Nos processos analisados, os contribuintes alegam que essas multas devem ser
consideradas despesas necessárias, por fazerem parte do risco do negócio. O
que foi acatado, por maioria de votos, na 4ª Turma Extraordinária da 1ª Seção
sobre o caso da J&F (processo nº 16561.720011/2021-27). O acórdão ainda
não foi publicado.
Argumentação semelhante foi aceita no ano passado pela 1ª Turma da Câmara
Superior do Carf. O processo envolvia multas do Instituto do Meio Ambiente
(IMA) aplicadas contra uma produtora de açúcar, etanol e bioeletricidade da
Bahia (processo nº 10530.721720/2014-81).
No caso da J&F, o relator, conselheiro Efigênio de Freitas Júnior, representante
da Fazenda, foi o único a defender que a multa não seria dedutível da base de
cálculo do Imposto de Renda e da CSLL, por não se enquadrar nos requisitos
exigidos pela Receita Federal. Não seria, segundo ele, despesa necessária.
Prevaleceu o voto do conselheiro Itamar Artur Magalhães Alves Ruga, também
representante da Fazenda, que redigirá o acórdão vencedor. Para ele, a
dedutibilidade da multa seria possível com o reconhecimento de que a
penalidade é uma despesa necessária para a manutenção do grupo. Ele foi
seguido pelos demais conselheiros.
O risco de penalidade desse gênero faz parte do negócio”
— Leandro Cabral
O pagamento da multa está suspenso por decisão do ministro Dias Toffoli, do
Supremo Tribunal Federal (STF). O caso ainda será levado ao Pleno. A J&F
ainda negocia uma redução desse valor com o MPF. Segundo a empresa, já
foram pagos R$ 2,9 bilhões.
De acordo com o advogado Pedro Grillo, do escritório Brigagão, Duque
Estrada Advogados, é a primeira vez que o Carf permite a dedução de multa de
acordo de leniência. A discussão, afirma, vai na mesma linha da decisão da
Câmara Superior sobre a necessidade, usualidade e habitualidade dessa despesa.
“De forma coloquial, pode causar uma certa estranheza a dedução de multa por
acordo de leniência, decorrente de atividades ilícitas. Mas do ponto de vista
técnico, tem que se considerar dedutível toda e qualquer despesa inerente à
atividade da empresa”, diz Grillo.
Para o advogado, é irrelevante a discussão se a atividade que gerou a despesa é
lícita. “Se a empresa não quitar a multa firmada no acordo de leniência, fica
alijada do mercado, proibida de licitar e de atuar em suas atividades
normalmente”, afirma. “Assim como o Estado não está impedido de tributar
uma renda pelo fato dela ser ilícita.”
Leandro Cabral, do escritório Velloza Advogados, defende que, por não haver
vedação legal, é dedutível multa não tributária aplicada em acordo de leniência.
“Afigura-se operacional a despesa com tal multa, por ser consequência do
exercício da atividade econômica. Na realidade, o risco de penalidade desse
gênero faz parte do negócio e é praticamente impossível operar sem incorrer
em multas impostas pela administração pública”, diz o advogado.
Existem decisões desfavoráveis aos contribuintes no Carf. Em fevereiro de
2018, a 2ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção entendeu que “a reparação de danos
causados em decorrência dos ilícitos confessados ou a devolução de valores
fixados em Termos de Colaboração Premiada ou em Acordos de Leniência, tem
natureza completamente distinta das despesas originalmente deduzidas e não
podem impactar a apuração de tributos de períodos já encerrados” (acórdão nº
1302002.549). Há também, no Carf, decisões contra a dedutibilidade de
propina.
Em nota enviada ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)
informa que, “diante dos precedentes sobre possibilidade de deduzir multas
punitivas, de um lado, e as decisões que trataram dos efeitos dos acordos de
leniência, de outro, considera que o que é preciso aguardar novos julgamentos
sobre o tema para definir como se consolidará a jurisprudência na esfera
administrativa."
No texto, cita decisão da Câmara Superior, de 2016, na qual foi negada a
dedutibilidade de multas aplicadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) em razão do descumprimento de normas do setor elétrico, por entender
que a violação de normas regulatórias não é usual à atividade empresarial
(acórdão nº 9101-002.196).
Na mesma linha, afirma que ainda foi proferido outro acórdão (nº 1201-
003.588, de 12 de fevereiro de 2020). Também cita decisão da Câmara Superior,
do ano de 2018, que negou a dedutibilidade de multa imposta pelo Banco
Central (acórdão nº 9101003.875).
Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da J&F informa, também por
nota, que “a decisão do Carf simplesmente seguiu o mesmo entendimento
sobre a possibilidade de deduzir esse tipo de despesa, como já foi feito em
outros casos”.